quinta-feira, 21 de julho de 2011

VOCÊ QUER GANHAR UMA BÍBLIA?

 Tenho aproveitado as minhas férias para fazer caminhadas diurnas pela Praça da Liberdade.Sim, pois normalmente só as faço de noite. Adoro a Praça, com a sua beleza estudada, seu entorno de cultura e as pessoas que por lá circulam. Tudo tem um ar cult e me deixo levar em voltas e mais voltas. No meio do meu exercício, me deparo com um grupo que parecia estar orando. Passo imaginando que a praça é pública e cada um faz o que quer.

  Outra volta e eles continuam lá. Tenho agora a certeza de que, sim, estão orando. São em torno de 30 e parecem bem concentrados. Continuo a minha caminhada, imaginando como é bom morarmos em um país democrático e que em plena praça as pessoas podem manisfestar a sua religião sem nenhum tipo de repressão. Respiro feliz e presto atenção na letra da música que vem pelo meu celular até os meus ouvidos. Seu Jorge, invariavelmente.

  Na terceira volta que dou, percebo o grupo se dissipando, como estivessem todos já cumpridos uma missão. Vou me aproximando e de repente uma senhora se aproxima:
 - Você quer ganhar uma bíblia?
  - Não.
 Acho que nunca respondi a algo tão de imediato assim. Neguei uma bíblia! Me senti o próprio anti cristo... Se minha avó, ministra da eucaristia, me ouvisse negar uma bíblia, eu seria excomungada até a minha última geração. Imaginei todos os meus parentes padres, monsenhores e até - pasmem - Pio X  - se revirando no túmulo.Até ele era meio parente meu.Talvez de décimo grau, mas a minha avó insistia  nessa idéia.

 E fiquei imaginado porque iria querer uma bíblia.Tenho algumas, ganhas durante a minha saga na catequese. Na primeira comunhão e na crisma era isso que se ganhava.Acho que ganhei uma também durante um encontro de jovens e herdei mais uma da minha avó. Dei uma para o meu filho quando ele fez a sua primeira comunhão, para não quebrar a tradição. E me lembrei das sábias palavras de um grande padre que eu sempre temi por ser sempre a mais levada na hora da missa: Padre Helio dizia que bíblia não era enfeite e que de nada adiantava ter uma e não ler.

 Lógico que já li a bíblia. E leio sempre que acho necessário. E lógico que aquele povo que a estava distribuindo não queria apenas isso de mim. Tanto que outra pessoa, mais adiante, me abordou também, de forma mais incisiva. Algumas pessoas até paravam e conversavam com os que ofereciam. Mas desconfio de tudo que é de graça.

 E tenho também pânico de pessoas que tentam impor a sua verdade sobre a minha. Nada contra nenhum grupo religioso, sou católica e nunca disse que a minha religião é melhor do que qualquer outra. Mas, ao mesmo tempo em que eles podem usar a praça para as suas reuniões, eu também tenho o direito de fazer a minha caminhada sem ter que pensar sobre isso, sem ter que negar uma bíblia. Sem ser abordada como em um assalto duas vezes.

  Disse que sou católica, mas a cada dia que passa tenho em mim uma idéia de religião mais simplista, talvez baseada no primeiro dos mandamentos: Amai ao teu próximo como a ti mesmo! Resolveria muita coisa. Ninguém mais ia matar, roubar, desrespeitar o outro em sã consciência. Tento imaginar que a calma da Praça e a beleza desse dia são a minha religião, tudo o que preciso para viver está no respeito e na maravilha de estar viva. E fico imaginando onde estarão as minhas bíblias. Elas me norteiam mesmo juntando poeira em algum armário, pois hoje vivo na prática o que para muitos são só palavras em um livro bonito. E você, quer ganhar uma bíblia?



segunda-feira, 11 de julho de 2011

FELICIDADE

 Há muito tempo venho percebendo que o índice de descontentatmento das pessoas vem aumentado proporcionalmente as melhorias advindas do mundo moderno. Parece que quanto mais temos, mais queremos. E se não temos, ficamos frustrados.

 Um exemplo bem simples, bobo até, foi vivido por mim lá em Araçuaí. Trabalho em projetos no Norte de Minas e encaro uma realidade muito diferente da nossa. Enquanto tenho aqui uma internet rápida e eficaz, lá não pode ventar que a conexão cai. Enquanto temos telefones públicos em qualquer esquina, lá temos que fazer dura caminhada até encontrar algum. E por aí vai...

 Mas o que mais me impressionou foi a questão da oportunidade. Muito mais importante do que estudar, lá as meninas tem que colocar comida na mesa, invariavelmente dos seus filhos menores. Escutei aterrorizada o relato de um professor que dizia que a mãe de uma dessas meninas a tirou à força da sala de aula dizendo que aquilo lá não dava futuro e que a obrigação dela era trabalhar para o filho não morrer de fome, contribuindo assim para um ciclo de miséria e ignorância. Mas como podemos julgar pessoas que literalmente vendem o almoço para comprar a janta?

 E fiquei imaginando o tudo que temos -  e que sim, merecemos pois o ser humano merece muito - mas que nem precisamos tanto assim. A futilidade comprada, a felicidade vazia, a aparência aclamada. Tudo que mostramos ao outro apenas para ostentar e nem damos tanto valor assim. E nem sabemos ao certo o que tem valor para nós...

 Há alguns anos atrás, em uma época da minha vida onde nada estava bom e me sentia absolutamente humilhada, acabava reclamando de quase tudo. Estava triste e sem nenhum tipo de motivação quando li, em algum lugar, um texto que foi, naquele momento, como um tapa na cara. Ele dizia mais ou menos assim: "Ao invés de reclamar da louça que você tem para lavar, agradeça a comida que você teve para sujar toda aquela louça. Ao invés de reclamar das várias roupas para lavar, agradeça por ter roupas para te aquecer no frio do inverno..."E por aí vai.

 Tento passar um pouco desses conceitos para os meus filhos, que vivem em um mundo imediatista e altamente frustrante. A internet massacra com os lançamentos, a rapidez da comunicação e a virtualidade das emoções. E eles querem sempre mais. Celular virou necessidade básica e eles se conectam a um mundo que precisa de velocidade e recursos cada vez mais elaborados. E não se contentam com pouco....

 E acabam vivendo em uma realidade vazia. Outro dia meu filho mais velho disse que invejava um coleguinha por que ele tinha um playstation melhor do que o dele e que isso sim era felicidade. Me assustei com esse conceito e perguntei para ele se felicidade era uma coisa material. Ele disse que sim, que seria mais feliz se tivesse mais coisas materiais. Engatei uma discussão calorosa, na tentativa de fazê-lo entender que não somos o que temos e que dinheiro não traz felicidade não!

 Me lembrei então da menina de Araçuai, que não tem playstation, nem mesmo um computador para passar raiva com a  internet lenta, passando noites em claro cuidando de seu filho, que talvez nem tenha um pai presente e que almeja simplesmente frequentar a escola e sonhar com um futuro melhor, com medo de ousar demais e se contentando com o pouco que Deus lhe deu. Mas talvez, ainda assim, ela seja mais feliz que o meu filho...

 E me senti cansada...Cansada do desperdício, da falta de valores, da fuga da realidade.Cansada de tanto recurso, de tanta burrice, de tanto nada. Tanta gente vazia, ostentando o que não tem e tanta gente boa, precisando de tão pouco ou quase nada para dar mais um sorriso. Será que é tão difícil assim ser feliz?